Livros no Blurb

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O Existir! vai de férias

Até Setembro!

A cena do ódio (excerto 2)

Ouve a Terra, escuta-A.
A Natureza à vontade só sabe rir e cantar!
Depois põe-te à coca dos que nascem
e não os deixes nascer.
Vai depois pla noite nas sombras
e rouba a toda a gente a Inteligência
e raspa-lhes bem a cabeça por dentro
co'as tuas unhas e cacos de garrafas,
bem raspado, sem deixar nada,
e vai depois depressa, muito depressa,
sem que o sol te veja,
deitar tudo no mar onde haja tubarões!
Larga tudo e a ti também!



José de Almada Negreiros (in Orpheu 3, 1915)


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domingo, 12 de agosto de 2007

Quinta das Canadas 6

Carvalhal: a integração deste habitat na paisagem rural

Carvalhal: uma visão próxima

No seio do carvalhal


O carvalhal constitui um povoamento estreme de carvalho-negral (Quercus pyrenaica) embora, aqui e ali, possa ocorrer o pinheiro-bravo (Pinus pinaster). O carvalhal de Quercus pyrenaica é o coberto vegetal potencial desta região. Contudo, na quinta deverá representar uma formação arbórea secundarizada. Provavelmente, a sua existência dever-se-á directa ou indirectamente ao Homem. A densidade arbórea é elevada e o sob-coberto, apesar de pastoreado, ainda agrupa plantas como o pilriteiro (Crataegus monogyna), a urze-das-vassouras (Erica scoparia), silvas (Rubus sp.) e a gilbardeira (Ruscus aculeatus), esta última uma espécie tipicamente mediterrânica.
A comunidade animal lembra a do parque florestal porque muitas das suas espécies são comuns a ambos os ambientes. Porém, os chapins parecem menos abundantes e diversificados (provável ausência do chapim-de-poupa (Parus cristatus)), a felosa-de-bonelli (Phylloscopus bonelli) mais frequente e a trepadeira-azul (Sitta europaea) mais numerosa. De Inverno, devido à queda parcial da folha, o carvalhal tem menos "capacidade de suporte" do que o parque florestal onde predominam as coníferas perenifólias. Por outro lado, o estrato herbáceo tem aqui maior expressão e certos grupos de insectos, como por exemplo os lepidópteros, são por isso mais representativos.

sábado, 11 de agosto de 2007

A cena do ódio (excerto 1)

Tu, que te dizes Homem!
Tu, que te alfaiatas em modas
e fazes cartazes dos fatos que vestes
pra que se não vejam as nódoas de baixo!
Tu, qu'inventaste as Ciências e as Filosofias,
as Políticas, as Artes e as Leis,
e outros quebra-cabeças de sala
e outros dramas de grande espectáculo…
Tu, que aperfeiçoas a arte de matar…
Tu, que descobriste o cabo da Boa-Esperança
e o Caminho-Marítimo da Índia
e as duas Grandes Américas,
e que levaste a chatice a estas terras,
e que trouxeste de lá mais chatos pràqui
e qu'inda por cima cantaste estes Feitos…
Tu, qu'inventaste a chatice e o balão,
e que farto de te chateares no chão
te foste chatear no ar,
e qu'inda foste inventar submarinos
pra te chateares também por debaixo d'água…
Tu, que tens a mania das Invenções e das Descobertas
e que nunca descobriste que eras bruto,
e que nunca inventaste a maneira de o não seres…
Tu consegues ser cada vez mais besta
e a este progresso chamas Civilização!


José de Almada Negreiros (in Orpheu 3, 1915)

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Da capo

O pica-pau? Relincha nos troncos altos.
Zoam os estorninhos, e do tordo
A sirene se pega, na bruma,
À risada da pega rabuda.
O guincho do francelho agita
A caruma, no meio da noite
O mocho real, ri — que nem
Um cabra. Ouve-se o alarmado
Salto da narceja, e o corvo marinho
Rabuja. Não estamos no mar,
Pelo menos que eu veja, grita
O gaio, raspando as ilhotas
De assobiadeiras.

O rouxinol? À beira da estrada,
Numa macieira brava. E o marantéu
Sobe mais uma pernada.


Gil de Carvalho (De Fevereiro a Fevereiro, 1987)


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quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Os meus livros 6

Capa do volume "Região de Lisboa e Vale do Tejo" (Círculo de Leitores, 1991)

Capa do volume "Região de Lisboa e Vale do Tejo" (Temas & Debates, 1996)

Um aspecto do interior do primeiro volume

O primeiro livro a ficar pronto e a ser editado foi o da região de Lisboa e Vale do Tejo. Com ele passou-se uma história lamentável que nunca esquecerei.
Antes de entregar o manuscrito e as várias imagens para o trabalho de pré-impressão houve uma reunião no CL com os autores, o então presidente da LPN — o geólogo Miguel Magalhães Ramalho —, a Dra. Guilhermina Gomes e o administrador do CL da altura — Manfred Grebe. Nessa reunião, o presidente da LPN pediu-me que lhe facultasse o manuscrito para que o pudesse ler e apreciar, pedido ao qual acedi prontamente. Cerca de 1 dia depois recebo um telefonema do local de trabalho do Dr. Miguel Ramalho, solicitando a minha presença para uma reunião de urgência. Quando me encontro com ele diz-me que detectou uma série de erros ou incongruências no meu texto — dando-me alguns exemplos dos mesmos — e que a LPN não podia continuar a apoiar o projecto porque achava que não tinha qualidade. Chegou mesmo a dizer-me qualquer coisa como: "você já viu se a Clara Pinto Correia resolve fazer um artigo a dizer mal do livro?". Percebi nessa altura que estava em maus lençóis e que o presidente da LPN estava mais preocupado com ele do que com o prestígio da associação que dirigia. Após esta reunião vi "a vida a andar para trás". Pensei que iria ter de devolver a verba já recebida por conta do projecto ao CL e, eventualmente, ter de indemnizá-lo por prejuízos patrimoniais. Para além disso, todo o esforço e empenho investidos no projecto seriam para deitar para o lixo e a imagem da minha empresa iria sair de todo este processo muito fragilizada. Obviamente, os supostos erros que o presidente Miguel Ramalho tinha descoberto não eram erros nenhuns. Tanto a Dra. Guilhermina Gomes como o Sr. Manfred Grebe continuaram a confiar em nós, autores, e ficaram com uma péssima impressão da Liga e do seu dirigente. Escusado será dizer que a LPN deixou de ter qualquer papel no projecto. Quanto a mim, não só saí da direcção nacional como deixei de pagar as quotas de associado, em protesto contra a posição que o presidente, e por arrasto toda a restante direcção, assumiu em toda esta história (se fosse hoje talvez intentasse uma acção judicial contra a Liga para a Protecção da Natureza e/ou contra o seu presidente).
Após a publicação do primeiro volume dos Roteiros da Natureza houve quem continuasse a tentar denegrir o projecto e os seus autores com cartas e telefonemas endereçados ao CL, presumivelmente alguém ligado à LPN.
Felizmente, a colecção foi um sucesso e recebi cartas de muita gente, "dos 7 aos 77 anos", contando-me episódios a propósito deste ou daquele livro, reconhecendo situações nas fotografias publicadas ou apenas transmitindo o seu apreço pela obra. Os Roteiros da Natureza foram tão bem recebidos pelo público que o CL decidiu fazer uma segunda edição dos mesmos, alguns anos mais tarde, através da sua editora "Temas e Debates".
Este foi o projecto editorial de maior vulto no qual estive envolvido até hoje. Para além das muitas coisas boas que dele emanaram também serviu para tomar contacto de perto com o pior da inveja e mesquinhez humanas, a que teria de me habituar daqui para a frente.


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terça-feira, 7 de agosto de 2007

Le plat pays

Avec la mer du Nord pour dernier terrain vague
Et des vagues de dunes pour arrêter les vagues
Et de vagues rochers que les marées dépassent
Et qui ont à jamais le coeur à marée basse
Avec infiniment de brumes à venir
Avec le vent de l'est écoutez-le tenir
Le plat pays qui est le mien

Avec des cathédrales pour uniques montagnes
Et de noirs clochers comme mâts de cocagne
Où des diables en pierre décrochent les nuages
Avec le fil des jours pour unique voyage
Et des chemins de pluies pour unique bonsoir
Avec le vent d'ouest écoutez-le vouloir
Le plat pays qui est le mien

Avec un ciel si bas qu'un canal s'est perdu
Avec un ciel si bas qu'il fait l'humilité
Avec un ciel si gris qu'un canal s'est pendu
Avec un ciel si gris qu'il faut lui pardonner
Avec le vent du nord qui vient s'écarteler
Avec le vent du nord écoutez-le craquer
Le plat pays qui est le mien

Avec de l'Italie qui descendrait l'Escaut
Avec Frida la blonde quand elle devient Margot
Quand les fils de novembre nous reviennent en mai
Quand la plaine est fumante et tremble sous juillet
Quand le vent est au rire quand le vent est au blé
Quand le vent est au sud écoutez-le chanter
Le plat pays qui est le mien.

Jacques Brel (1962)


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segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Quinta das Canadas 5

Parque florestal: zona das caducifólias (e.g. Acer, Quercus)

Amanita muscaria: um cogumelo tóxico mas muito belo.

Flores e frutos do medronheiro (Arbutus unedo)

O parque florestal compreende uma zona, mais extensa, dominada pelas coníferas e, outra, onde estão apenas presentes as caducifólias, em particular os bordos (Acer spp.) e os carvalhos (Quercus spp.). A densidade arbórea é elevada, estando as árvores praticamente copa com copa. Semelhante circunstância condiciona fortemente o crescimento da vegetação dos estratos inferiores, pelo que apenas plantas tolerantes a ambientes sombrios (ou de crescimento rápido e que durante os primeiros anos de vida toleram o ensombramento) se podem desenvolver. Contudo, nas raras clareiras e principalmente nas orlas crescem plantas como a perpétua-das-areias (Helichrysum stoechas), o rosmaninho-maior (Lavandula pedunculata) e a bela-luz (Thymus mastichina). Estas três espécies indicam inequivocamente que a quinta sofre ainda de forte influência mediterrânica.
No sub-bosque, o abeto de Douglas (Pseudotsuga menziesii) — em vários estados de desenvolvimento — denota forte representação. Para além dele medram a urze-das-vassouras (Erica scoparia), o medronheiro, giestas, o carvalho-negral e o castanheiro. No estrato herbáceo são poucas as plantas representadas, destacando-se a orquídea Neotinea maculata, enquanto no estrato muscícola, a situação é inversa. Com efeito, devido ao permanente ensombramento, o solo retém durante boa parte do ano um grande teor de humidade. Por isso, musgos, líquenes e fungos são bastante abundantes e variados. Os cogumelos tornam-se evidentes sobretudo entre Outubro e Janeiro. Através dos seus filamentos ligam-se às raízes das árvores formando uma espécie de super-organismo. Estas ligações são úteis quer às árvores quer aos próprios cogumelos e contribuem para a riqueza deste pequeno ecossistema. Onde predominam as caducifólias já estes organismos são raros devido ao facto de apenas durante cerca de seis meses por ano, as árvores apresentarem folhas. Aqui alastra o feto-ordinário (Pteridium aquilinum).
A comunidade animal é, também ela, bastante interessante. Existem coleópteros raros e de interesse comunitário como Lucanus cervus e Cerambyx cerdo. Nos vertebrados contam-se, entre outras, o sapo-parteiro (Alytes obstetricans), algumas espécies de morcegos, roedores e insectívoros, a lebre (Lepus granatensis), a raposa (Vulpes vulpes), o javali (Sus scrofa), a geneta (Genetta genetta), a fuinha (Martes foina), a doninha (Mustela nivalis), o esquilo (Sciurus vulgaris) — este apenas desde 2002 —, e um vasto conjunto de aves. Predominam as que se alimentam de insectos e suas larvas como os chapins (Parus spp. e Aegithalos caudatus), a trepadeira-comum (Certhia brachydactyla), a trepadeira-azul (Sitta europaea), o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major), a felosa-de-bonelli (Phylloscopus bonelli) e a estrelinha-real (Regulus ignicapillus). Outrora também o lobo (Canis lupus) frequentava estas paragens.
No seio do parque existe uma pequena represa, com água durante todo o ano, e em parte da sua periferia, muros de pedra. Estas estruturas acrescentam diversidade estrutural ao habitat. A represa é um excelente bebedouro e simultaneamente serve de local de acasalamento e de desenvolvimento de larvas para certas espécies de anfíbios. Os muros acolhem roedores, répteis e a doninha.

sábado, 4 de agosto de 2007

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.

E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa (1935)

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Os meus livros 5

Apresentação dos Roteiros da Natureza na revista do Círculo de Leitores de Novembro/Dezembro de 1991

Em 1988, eu e o meu amigo (e sócio) José Cabral resolvemos, no âmbito da nossa actividade na Naturibérica, Lda., elaborar um projecto editorial a apresentar ao Círculo de Leitores (CL) que tinha por objectivo descrever, ilustrar e caracterizar o património natural português. Para tal considerámos que o mais exequível seria realizar uma colecção em 7 volumes, cada qual tratando uma região-plano ou uma região autónoma, a saber: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Madeira e Açores. Depois de completarmos uma maqueta de demonstração e a proposta — devidamente justificada e orçamentada —, resolvemos que o melhor seria primeiro mostrá-la à direcção nacional da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), da qual na altura fazia parte (integrei a direcção entre 1988 e 1991).
Fizemo-lo considerando que haveria vantagens óbvias para a viabilização do projecto se uma organização prestigiada como a LPN se empenhasse para que ele fosse aprovado. Na altura, a LPN passava por uma crise financeira grave devido a anos sucessivos de má gestão e apesar de ter sido fundada nos anos 40 do século passado (é a mais antiga organização ambientalista portuguesa) tinha uns escassos 2000 sócios. A sua associação ao projecto iria dar-lhe grande visibilidade durante um período de tempo bastante dilatado e eventualmente também alguns proveitos de outra ordem (cada exemplar dos 5.000 editados por volume iria incluir um folheto, pago pelo CL, a falar da LPN e com um talão destacável para a angariação de sócios).
O projecto foi entregue à LPN em Outubro de 1988 e foi apreciado favoravelmente em reunião de direcção, em Novembro do mesmo ano. Uma vez que a pessoa encarregue de o levar à consideração do CL não o fez em tempo útil, acabámos nós por entregá-lo. Para nossa estupefacção, o projecto foi muito bem recebido pela administração do CL, em particular pela Dra. Guilhermina Gomes, uma pessoa que tive realmente o prazer de passar a conhecer.
O contrato entre a Naturibérica, Lda. e o CL foi assinado em Março de 1990 e em Abril desse ano iniciámos o trabalho de campo no Algarve, o qual finalizou nos Açores em Julho do ano seguinte. Visitámos todo o Continente — tendo percorrido vários milhares de quilómetros em várias épocas do ano —, as ilhas da Madeira, Porto Santo e Selvagens e, nos Açores, todas as ilhas à excepção do Corvo.
Por vicissitudes várias acabei por ser o autor do texto dos 7 volumes dos Roteiros da Natureza e de aproximadamente 60% do trabalho fotográfico.
Em 1995, aquando da comemoração do seu 25 aniversário, o CL considerou os Roteiros da Natureza, um dos seus 10 projectos históricos.


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