Livros no Blurb

domingo, 23 de novembro de 2008

[Melão]

Ali mesmo de fronte, um estendal de melões desafiava-lhe os desejos. Crescia-lhe água na boca. Havia um amarelo, raiado de verde, que levava a palma aos outros todos. Devia ser como mel — doirado e doce a desfazer-se nos dentes. Sumarento, como uma laranja, para lhe matar a sede.

*

Era um monte deles, mas só aquele a desafiava. Sentia a polpa das talhadas nos lábios secos e gretados, a ressumar pingos doces que nem uvas moscatéis.

Alves Redol (Avieiros)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Os meus livros 24

Capa do Roteiro Natural do concelho de Loures (Câmara Municipal de Loures, 2001)


Um aspecto do interior do Roteiro


Apesar da má imagem que por vezes habita o nosso imaginário acerca deste concelho, o município de Loures ainda mantém muitas das características do verdadeiro campo mesmo às portas de Lisboa. Aqui, muitos dos hábitos e ritmos da vida rural permanecem vivos e algumas das suas paisagens recordam as Ilhas Britânicas. Como tal, animais e plantas associados ao trabalho da terra, à presença de gado em pastagens, a pequenos bosquetes e a sebes vivas dominam as comunidades biológicas.

sábado, 15 de novembro de 2008

Natureza-morta com frutos

1.

O sangue matinal das framboesas
escolhe a brancura do linho para amar.

2.

A manhã cheia de brilhos e doçura
debruça o rosto puro na maçã.

3.

Na laranja o sol e a lua
dormem de mãos dadas.

4.

Cada bago de uva sabe de cor
o nome dos dias todos do verão.

5.

Nas romãs eu amo
o repouso no coração do lume.



Eugénio de Andrade (Ostinato Rigore)

domingo, 9 de novembro de 2008

Animais, plantas e paisagens de Portugal 16

Castelo de Linhares da Beira


Linhares da Beira, no concelho de Celorico da Beira, é uma das Aldeias Históricas de Portugal. Com o seu imponente castelo, a simpatia da sua gente e a sua posição dominante, debruçada sobre a bacia de Celorico, esta mimosa aldeia beirã detém um património considerável e merece uma aturada visita.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

[Laranjal]

Nos seus longos passeios solitários pelo pomar e pelas terras, Margarida cortava às vezes uma folha de inhameiro, e, afunilando-a na mão, chegando-a a uma bica de rega, bebia grandes goladas daquele líquido macio e pesado, que ficava no veludo da folha com o aspecto de prata ou de mercúrio. As laranjas já estavam grossas e douradas nas árvores. Algum botãozinho de uma floração temporã alternava com os ramos vergados ao peso dos frutos que um sol de pouca dura ia adoçando e adelgaçando. Margarida rondava as laranjeiras quase pé ante pé, pesquisando aquela frutificação bela e ardente na manhã que subia emborralhada, contando as laranjas milagrosamente acamadas numa pernada só, tirando-lhes uma ou outra cochonilha com a ponta da unha, — enfim, como que lendo, criticando as páginas daquele laranjal da Urzelina, autêntica biblioteca sem leitores.
Às vezes, algum tentilhão ou vinagreira esvoaçava entre as folhas; um botão de flor de laranjeira, rijo e encerado, ficava a tremer da fuga da ave assustadiça.

Vitorino Nemésio (Mau Tempo no Canal)