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sexta-feira, 30 de outubro de 2009
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
A Beira e as Beiras
Com efeito, considerada no seu conspecto geográfico, a Beira enfeixa e gradua em si as sete cores do arco-íris das paisagens de Portugal. "A confluência numa extensa região central de todas as paisagens do País, eis a Beira", disse um dos escritores portugueses que melhor conheceram e mais amaram a sua terra, Raul Proença. E um geógrafo que viajou repetidamente no País, buscando sempre o que nele havia de diverso e de comum, Silva Teles, observou também que a Beira representa uma súmula dos caracteres geográficos de todo o território nacional. A noroeste, a orla de Oliveira de Azeméis e do vale do Cambra, parece o pórtico do Minho; há uma profunda semelhança de fisionomia entre a Beira setentrional e o Além-Douro transmontano, conjunto de caracteres físicos e económicos a que já no final da Idade Média se chamava a Riba-Douro; na região da ria de Aveiro com seus cordões litorais e horizontes fluidos, há qualquer coisa de alado e luminoso, do cenário pré-mediterrâneo do Algarve; já as regiões da Beira meridional se estendem num átrio, por onde se entra gradualmente na Estremadura e no Alentejo.
Jaime Cortesão (Portugal — A Terra e o Homem)
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
domingo, 11 de outubro de 2009
Parasitas
No meio d'uma feira, uns poucos de palhaços
Andavam a mostrar em cima d'um jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.
Os magros histriões, hipócritas, devassos,
Exploravam assim a flor do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento.
E toda a gente deu esmola aos tais ciganos;
Deram esmola até mendigos quasi nus.
E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,
Eu lembrei-me de vós, funambulos da Cruz.
Que andais pelo universo há mil e tantos anos
Exibindo, explorando o corpo de Jesus.
Guerra Junqueiro (A Velhice do Padre Eterno, 1885)
Andavam a mostrar em cima d'um jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.
Os magros histriões, hipócritas, devassos,
Exploravam assim a flor do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento.
E toda a gente deu esmola aos tais ciganos;
Deram esmola até mendigos quasi nus.
E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,
Eu lembrei-me de vós, funambulos da Cruz.
Que andais pelo universo há mil e tantos anos
Exibindo, explorando o corpo de Jesus.
Guerra Junqueiro (A Velhice do Padre Eterno, 1885)
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
domingo, 4 de outubro de 2009
Estrela
Na verdade, todas as vezes que a visitei, olhei e perscrutei, a ver se conseguia entendê-la, andei sempre à roda, à roda, e sempre à roda da mesma força polarizadora: — a Estrela.
Como aquelas divindades ciosas, que não consentem adoração a mais nenhum poder, só fascinado por ela o peregrino é capaz de caminhar e perceber. Beira, quer já de si dizer beira da serra. Mas não contente com essa marca etimológica que lhe submete os domínios, do seu trono de majestade a esfinge de pedra exige a atenção inteira. Alta, imensa, enigmática, a sua presença física é logo uma obsessão. Mas junta-se à perturbante realidade uma certeza ainda mais viva: a de todas as verdades locais emanarem dela. Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e materno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. Gelada e carrancuda, cresta o que nasce sem a sua bênção; quente e desanuviada, a vida à sua volta abrolha e floresce … Mas a Estrela não divide: concentra.
Como aquelas divindades ciosas, que não consentem adoração a mais nenhum poder, só fascinado por ela o peregrino é capaz de caminhar e perceber. Beira, quer já de si dizer beira da serra. Mas não contente com essa marca etimológica que lhe submete os domínios, do seu trono de majestade a esfinge de pedra exige a atenção inteira. Alta, imensa, enigmática, a sua presença física é logo uma obsessão. Mas junta-se à perturbante realidade uma certeza ainda mais viva: a de todas as verdades locais emanarem dela. Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e materno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. Gelada e carrancuda, cresta o que nasce sem a sua bênção; quente e desanuviada, a vida à sua volta abrolha e floresce … Mas a Estrela não divide: concentra.
Miguel Torga (Portugal)
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