Livros no Blurb

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Préstito Fúnebre

Castanheiro multissecular


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E eis no carro morto o castanheiro, enquanto
Melros assobiam nos trigais além…
Heras amortalham-no em seu verde manto…
Deu-lhe a terra o leite, dá-lhe a aurora o pranto…
Que feliz cadáver, que até cheira bem!…

Musgos, líquenes, fetos, — química incessante! —
Fazem montões d'almas dessa podridão…
Já nesse esqueleto seco de gigante,
Sob a luz vermelha, num festim radiante,
Mil milhões de vidas pululando estão!…

Sempre à fortaleza casa-se a doçura:
Como o leão da Bíblia morto num vergel,
Do seu tronco ainda na caverna escura,
Um enxame d'oiro rútilo murmura,
Construindo um favo cândido de mel!…

Oh, os bois enormes, mansos como arminhos,
Meditando estranhas, incubas visões!…
Pousam-lhe nas hastes, vede, os passarinhos,
E por sobre os longos, tórridos caminhos
Dos seus olhos caem bênçãos e perdões…

Chorarão o velho castanheiro ingente,
Sob o qual dormiram sestas estivais?
Almas do arvoredo, o seu olhar plangente
Saberá acaso misteriosamente
Traduzir as línguas em que vós falais?!…

Castanheiro morto! que é da vida estranha
Que no ovário exíguo duma flor nasceu,
E criou raízes, e se fez tamanha,
Que trezentos anos sobre uma montanha
Seus trezentos braços de colosso ergueu?!…

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Guerra Junqueiro (Os Simples, 1892)



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