Nos seus longos passeios solitários pelo pomar e pelas terras, Margarida cortava às vezes uma folha de inhameiro, e, afunilando-a na mão, chegando-a a uma bica de rega, bebia grandes goladas daquele líquido macio e pesado, que ficava no veludo da folha com o aspecto de prata ou de mercúrio. As laranjas já estavam grossas e douradas nas árvores. Algum botãozinho de uma floração temporã alternava com os ramos vergados ao peso dos frutos que um sol de pouca dura ia adoçando e adelgaçando. Margarida rondava as laranjeiras quase pé ante pé, pesquisando aquela frutificação bela e ardente na manhã que subia emborralhada, contando as laranjas milagrosamente acamadas numa pernada só, tirando-lhes uma ou outra cochonilha com a ponta da unha, — enfim, como que lendo, criticando as páginas daquele laranjal da Urzelina, autêntica biblioteca sem leitores.
Às vezes, algum tentilhão ou vinagreira esvoaçava entre as folhas; um botão de flor de laranjeira, rijo e encerado, ficava a tremer da fuga da ave assustadiça.
Às vezes, algum tentilhão ou vinagreira esvoaçava entre as folhas; um botão de flor de laranjeira, rijo e encerado, ficava a tremer da fuga da ave assustadiça.
Vitorino Nemésio (Mau Tempo no Canal)
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