Livros no Blurb

domingo, 30 de setembro de 2007

A perdiz

Perdiz (Alectoris rufa)



Nas lezírias verdes, leiras de restevas,
Nos matos cerrados de urzes e de estevas,
Por charnecas tristes, montes escalvados,
Nos casais, nas quintas, junto aos povoados,
Pelos mais fragosos rudes alcantis
Vê-se de certeza rasto de perdiz…

Como o senhor bispo, o bom bispo velho,
Calça meia fina de setim vermelho;
O colar de penas que lhe adorna o peito
Lembra-me a corola de um amor-perfeito.

Mais esquiva e leve que ágil levandisca
Tem meneios gráceis de donzela arisca…
E a cabeça ao alto e o pescoço esguio
Dão-lhe ao fino porte distinção e brio.

Se
enchoçada salta, pelo tempo mau,
Vai pelas encostas a dizer: "piau!"
Mas se venta o norte ou se faz suão,
Quando caem neves, gelos e granizos,
Disparando voos lá vai ela então
Mais veloz que as setas a
tinir os guizos!


Fausto José (É El-Rey Que Vai à Caça, 1951)


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sábado, 29 de setembro de 2007

Animais, plantas e paisagens de Portugal 1

Confesso que estive tentado a criar um blog de raiz com este mesmo título. No entanto parece-me mais sensato desenvolver este tema aqui.
A ideia essencial é ir apresentando paisagens, plantas e animais de Portugal, que começarei por ilustrar fotograficamente, falando das suas características e da sua distribuição no país. Poderão ser abordados outros aspectos que não apenas os ligados à sua biologia ou ecologia.
Inicio o tema introduzindo de seguida um texto que produzi há uns anos e que julgo fazer sentido incluir aqui.

A história do património natural de uma região é geralmente complexa e de difícil interpretação. Radica tanto nas alterações geológicas e climáticas registadas ao longo da evolução da Terra, como também na evolução das sociedades humanas e na sua crescente capacidade de intervenção sobre o meio ambiente. O caso da bacia mediterrânica, na qual se insere a região em estudo, é particularmente ilustrativo dado que sofreu, ao longo dos tempos, profundas convulsões de carácter geológico e foi berço de diversas civilizações com um historial antigo de intervenção sobre a paisagem e as próprias espécies biológicas (Blondel & Aronson, 1999). Apesar disso, a bacia mediterrânica é hoje um dos grandes centros de biodiversidade do planeta e certamente o mais importante a nível europeu.

Um significativo conjunto de espécies emblemáticas da Península Ibérica, no qual se incluem as grandes aves de rapina, a cegonha-preta, o grou (Grus grus), algumas aves estepárias e mamíferos carnívoros como o lobo e o lince, distribuem-se fundamentalmente pelas províncias mais interiores. Isto é, naquelas que têm uma baixa densidade populacional, uma fraca ou nula expressão das actividades industriais (e outras actividades económicas de grande impacto sobre a paisagem) e um antigo e tradicional uso da terra, baseado em práticas silvopastoris e agrárias de tipo extensivo. Por isso, não será de estranhar que as regiões detentoras de maior riqueza natural sejam aquelas que se estendem ao longo da fronteira luso-espanhola, de ambos os lados da mesma, a saber: Andaluzia, Estremadura e Castela-Leão, do lado espanhol; Alentejo Interior, Beira Interior e Trás-os-Montes, do lado português.

António Pena (Uma viagem pelo património natural das aldeias históricas do interior beirão, 2002)

Bibliografia

Blondel, J. & Aronson, J. (1999): Biology and wildlife of the mediterranean region. Oxford University Press.


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quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Segredo

Ninho de rouxinol-grande-dos-caniços (Acrocephalus arundinaceus)


Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar…



Miguel Torga (Diário VIII, 1956)


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segunda-feira, 24 de setembro de 2007

sábado, 22 de setembro de 2007

O Sapo

Sapo (Bufo bufo)



Não há jardineiro assim,
não há hortelão melhor
para uma horta ou jardim,
para os tratar com amor.

É o guarda das flores belas,
da horta mais do pomar;
e enquanto brilham estrelas,
lá anda ele a rondar…

Que faz ele? Anda a caçar
os bichos destruidores
que adoecem o pomar
e fazem tristes as flores.

Por isso, ficam zangadas
as flores, se se faz mal
a quem as traz tão guardadas
com seu cuidado leal.

E ele guarda as flores belas,
a horta mais o pomar;
brilham no céu as estrelas,
e ele ronda, a trabalhar…

E ao pobre sapo, que é cheio
de amor pela terra amiga,
dizem-lhe muitos que é feio
e há quem o mate e persiga!

Mas as flores ficam zangadas,
choram, e dizem por fim:
— "Então ele traz-nos guardadas,
e depois pagam-lhe assim?"

E vendo, à noite, passar
o sapo cheio de medo,
as flores, para o consolar,
chamam-lhe lindo, em segredo…



Afonso Lopes Vieira (Animais nossos amigos, 1911)


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quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Os meus livros 8

Resultados da busca que efectuei em 1998 através do motor de busca Cusco








Algumas das páginas referentes a este caso que encontrei, em 1998, no site do Ministério da Cultura.


Finalmente fez-se justiça! Com efeito, na sequência do que relatei na mensagem "Os meus livros 3", o tribunal decidiu a favor dos queixosos, isto é, a favor dos autores do livro Sintra. Um Concelho ao Natural/A Borough in the Wild. Soube hoje que o estado já pagou à Sociedade Portuguesa de Autores os direitos em falta. Pelo menos neste caso, a justiça tardou mas chegou!



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terça-feira, 18 de setembro de 2007

O Parque

O parque ficou sozinho e vazio. As altas copas das árvores formavam uma abóbada verde. Os troncos dos plátanos e das bétulas desenhavam na verdura as suas manchas brancas. Não se ouvia voz nem passo humano. As folhas caíam rodopiando devagar em largos círculos e pousavam quase sem ruído na macieza do chão. Aqui e além estalavam ramos secos. Aqui e além um pássaro cantava. Ervas trémulas dançavam à menor brisa. No ar pairava um perfume de maçã de Outono.

Sophia de Mello Breyner Andresen (A Floresta, 1968)


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domingo, 16 de setembro de 2007

Quinta das Canadas 7

Castanheiro multissecular parcialmente seco

Folhas de castanheiro em contra-luz

Em meados de Novembro após a apanha da castanha

Castanheiro com cerca de 50 anos

Os castanheiros plantados há cerca de 50 anos estão a secar provavelmente devido a causas diversas (i.e. má condução do povoamento, doenças)


Ao contrário do castinçal, que é um povoamento de castanheiro (Castanea sativa) denso para a produção de material lenhoso, o soito é um povoamento em estrutura de parque — um pouco como no caso dos montados — direccionado para a produção de castanha. Na quinta existem dois tipos de soito: um recente, plantado ao abrigo do programa de reconversão de área agrícola em área florestal, que ainda não iniciou a produção de fruto e que se apresenta mais como um terreno aberto do que como uma formação arbórea; o segundo tipo encontra-se em produção há muitos anos e é constituído quer por árvores relativamente jovens (± 50 anos) quer por enormes "edifícios vegetais", multisseculares, que resistiram às inclemências do clima e às asneiras do Homem. Nestes últimos são evidentes as marcas deixadas pelos raios que ao longo do tempo os foram atingindo. Estes verdadeiros monumentos naturais constituem, por si próprios, um verdadeiro ecossistema. Nos interstícios do lenho e agarrados ao tronco e aos ramos multiplicam-se diversos organismos epífitos de que são sobretudo exemplo líquenes e fetos. Nas cavidades do tronco, que apresentam diferentes envergaduras, refugiam-se e/ou reproduzem-se aves de rapina nocturnas, morcegos, o pardal-francês (Petronia petronia), pica-paus, estorninhos e mamíferos carnívoros como a geneta (Genetta genetta) ou a fuinha (Martes foina).
No sob-coberto existe apenas um estrato herbáceo que apascenta o gado ovino, produtor de queijo da serra, frequentado por animais associados a meios relativamente abertos e estruturalmente simples. No outono, aquando da queda da castanha, o javali (Sus scrofa) procura o soito com frequência. O gaio (Garrulus glandarius) e o esquilo (Sciurus vulgaris) contribuem para a dispersão do castanheiro, o qual mais tarde encontramos a crescer no parque florestal, no carvalhal ou até nas galerias ribeirinhas. Na quinta, o soito também tem uma outra função ecológica: a de dormitório. Com efeito, no final do Verão bandos de estorninhos, de gralha-preta (Corvus corone) e de outras aves bem como algumas aves de rapina migradoras como a águia-cobreira (Circaetus gallicus) ou a águia-calçada (Hieraeetus pennatus) aqui pernoitam.


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sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Paisagem

Passavam pelo ar aves repentinas,
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areia as suas crinas.

Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
Era a carne das árvores elástica e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.

Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.

Eram os pinheirais onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exalação afirmativa.

Era a verdade e a força do mar largo,
Cuja voz, quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.



Sophia De Mello Breyner Andresen (Poesia, 2ª ed., 1959)





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quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O flagelo dos incêndios



Estas imagens foram captadas a 24/08/07. Trata-se de um incêndio numa extensa mancha de mato (giestal) que chegou a ameaçar a aldeia de Frechão, no concelho de Trancoso.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Glosa à Chegada do Inverno

Ao frio suave, obscuro e sossegado,
e com que a noite, agora, se anuncia
depois de posto, ao longe, um sol dourado
que a uma rosada fímbria arrasta e esfia…

Da solidão dos homens apartado,
e entregue a tal silêncio, que devia
mais entender as sombras a meu lado
que a terra nua onde se atrasa o dia…

Recordo o amor distante que em mim vive,
sem tempo ou espaço, e apenas amarrado
à liberdade imensa que não tive,

e que não há. Como o recordo agora
que a luz do dia já se não demora,
se apenas de si próprio é recordado?



Jorge de Sena (Pedra Filosofal, 1950)


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segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Pombos

No céu pardo de Inverno,
Em flechas ondulosas,
Ao sabor de mil perigos e dos ventos,
De longínquas, incógnitas paragens,
Grandes bandos de pombos
Passam na migração de cada ano…

Em seu errar eterno,
Sua sombra pairou sobre paisagens
De todos os climas, dos mais vários…
E agora, na triste solidão deste montado,
Evocam-me não sei que imagens primitivas
E voam carregados de presságios…


Francisco Bugalho (Canções de entre Céu e Terra, 1939)


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domingo, 9 de setembro de 2007

Os meus livros 7

Capa do volume "Região Norte" (Círculo de Leitores, 1991)

Capa do volume "Região Norte" (Temas & Debates, 1996)

Um aspecto do interior do segundo volume


O segundo volume a ser publicado foi o da região Norte e, juntamente com o do Alentejo, foi aquele que mais depressa cativou o interesse do público.
Em boa verdade, apesar da obra levar o título genérico "Roteiros da Natureza", trata-se sobretudo de uma colecção sobre o património natural português. Hoje, muita da informação que nela consta estará com certeza desactualizada devido ao facto da natureza constituir um sistema dinâmico, em constante mutação, impulsionado quer por fenómenos puramente físicos quer por via da intervenção humana. Contudo, algumas das bases e ideias fundamentais nela descritas mantêm-se válidas.
Na hora de organizar uma série de livros sobre os nossos valores naturais punha-se o problema de apresentar a informação de forma simples mas ao mesmo tempo técnicamente correcta e perceptível para todos os potenciais leitores. Em relação aos livros sobre o continente adoptei como base geográfica as 5 regiões-plano, na altura muito actuais e das quais se falava como o suporte da futura regionalização. Por sua vez, cada livro foi estruturado em três grandes capítulos: um capítulo introdutório onde apresentei de forma sucinta as condições geoclimáticas que condicionam o território abrangido bem como a influência do homem sobre a paisagem; um capítulo principal — "os grandes meios" — que descreve e caracteriza o património natural tendo como fio condutor os meios ecológicos fundamentais (e/ou principais tipos de paisagem), a saber: a orla costeira, as zonas húmidas, o meio florestal, o meio arbustivo, o meio rural, o meio urbano. Para além destes falei ainda dos "meios de natureza particular" cuja peculiar natureza me levou a tratá-los à parte. "Os grandes meios" são definidos no início do primeiro volume. Esta divisão surge naturalmente de acordo com aquilo que se observa no terreno. Mais tarde pude constatar que algumas publicações biológicas adoptaram esta classificação embora curiosamente não refiram a fonte.
Em cada região procurei dar destaque ao meio (ou meios) mais expressivos. Assim, por exemplo, as zonas húmidas tiveram especial destaque na região Lisboa e Vale do Tejo.
O terceiro grande capítulo — "Percursos aconselhados" — é, este sim, um roteiro. Infelizmente, o seu tratamento gráfico foi bastante pobre. Os livros acabam com uma lista das espécies referidas no texto (nomes científicos e comuns) e um glossário dos principais termos técnicos utilizados.